segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A ABORDAGEM DO CONDUTOR DO VEÍCULO COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL AO AUTO DE INFRAÇÃO PELO NÃO USO DO CINTO DE SEGURANÇA

Clemilton da Silva Barros
Advogado da União, pós-graduado em Direito Processual Civil; em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Professor da Universidade Estadual do Piauí, autor de diversos trabalhos jurídicos.
 
Resumo: O art. 65 do Código de Trânsito Brasileiro determina o uso obrigatório do cinto de segurança, consistindo em infração grave a sua não observância (CTB, art. 167). O código, porém, não é explícito quanto à obrigatoriedade de o agente de trânsito fazer a abordagem direta do condutor do veículo quando da lavratura do auto de infração pelo não uso do cinto de segurança, questão esta a que se busca dar uma solução.
Palavras-chaves: Legislação do trânsito; cinto de segurança; auto de infração, abordagem do condutor.
Sumário:1 Considerações preliminares; 2 A previsão legal do uso do cinto se segurança veicular; 3 Requisitos do auto de infração de trânsito; 4 A presunção de veracidade do auto de infração e os princípios de defesa daquele que é indicado como infrator; 5 A sanção por presunção da infração e do infrator e a presunção de inocência e 6 Conclusão.
 
 
 
 
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
                            Vem sendo objeto de controvérsias, no âmbito dos órgãos de trânsito, a questão atinente à obrigatoriedade do agente de trânsito ter que fazer a abordagem direta do condutor do veículo quando da lavratura do auto de infração motivado pela ausência de uso do cinto de segurança.
                            Muitos entendem que o agente de trânsito não pode autuar sem fazer a abordagem do veículo, observando o seu interior a fim de constatar efetivamente a transgressão imputada, em seguida corrigindo o infrator. Este entendimento se firma em torno do que seria o princípio fundamental do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), qual seja, o respeito e a educação no trânsito. Simplesmente atuando o infrator com o veículo em movimento, sem a devida reprimenda e a correção da conduta, o referido princípio estaria sendo ignorado. Além disso, o auto de infração estaria assentado em mera presunção, o que não se coaduna com as funções da Administração Pública.
                            Noutro giro, algumas autoridades no assunto defendem a prescindibilidade de tal abordagem direta. Fundamentam que o agente de trânsito, na qualidade de agente público, é dotado de uma parcela do Poder Público e, pois, de fé pública. Como tal, poderá autuar o condutor sem necessariamente fazer a abordagem direta do veículo, quando verificar a omissão no uso do cinto de segurança, seja pelo próprio condutor ou pelos demais ocupantes do veículo. A esse fundamento é acrescentada a presunção de legitimidade atribuída aos atos administrativos. Aliás, esse entendimento tem assento no Parecer nº044/2000, da Coordenação Geral de Instrumental Jurídico e da Fiscalização do DENATRAN, órgão máximo executivo de trânsito da União, na forma do art. 19 do CTB.
                            A questão é de interesse geral, eis que nos dias atuais o “trânsito” integra nossas rotinas como algo essencial, e somos todos, em potencial, vitimas e infratores do trânsito, de modo que as suas regras devem ser o mais claro possíveis, eliminando-se as possíveis dúvidas tanto dos condutores e transeuntes quanto das autoridades em geral, a exemplo dos chefes de departamentos de transporte e trânsito pelo Brasil afora.
                            Pois bem, mediante o presente trabalho, objetivamos realizar uma abordagem crítica sobre a questão, analisando-a sob outro enfoque, a partir do Código de Trânsito Brasileiro em face do ordenamento jurídico como um todo, não para esgotar o assunto, evidentemente, mas para suscitar o aprofundamento da sua discussão, fomentando o debate e incitando as autoridades competentes à rever posicionamentos firmados em conceitos e definições pré-constituídas, muitas vezes passados por verdades prontas a acabadas, e assim desgarrados de elementos e princípios essenciais constantes do ordenamento jurídico.
                            Não por acaso, a presente análise poderá também, de algum modo, ser útil àqueles que se encontrem sob demandas administrativas perante os DETRANS nacionais, bem como aos próprios agentes públicos apreciadores dessas demandas, na formação das suas convicções.
 
2 A PREVISÃO LEGAL DO USO DO CINTO SE SEGURANÇA VEICULAR
                            Conforme já declinado, a discussão envolve o uso do cinto de segurança, consistindo o objeto nuclear da análise em se verificar se é obrigatória a abordagem do veículo como requisito para o agente de trânsito lavrar o auto de infração, ou se lhe basta a observação à distância.
                            A matéria é de certo modo carente de maiores manifestações por parte do legislador, gerando, por via de conseqüência, controvérsias perante os órgãos executivos de trânsito.
                            Trata-se o cinto de segurança de um equipamento destinado a proteger os ocupantes de um veículo em caso de acidente, evitando que as pessoas no interior do veículo venham a sofrer colisões contra a estrutura do veículo, ou que sejam ejetadas. A sua não utilização em pouco ou em nada vai alterar na ocorrência do acidente, mas sim, nos seus efeitos em relação aos ocupantes do veículo. Assim, a sua obrigatoriedade se justifica em face do dever do Estado de zelar pelo bem-estar de todos e pela proteção à vida.
                            Prevê o Código de Trânsito Brasileiro, no seu art. 65, a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, nos seguintes termos:
 
Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiro em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN.
 
                            Para o mesmo itinerário aponta o art. 167, do referido Código, desta feita já prevendo a sanção respectiva, em caso de conduta diversa, in verbis:
 
Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme o previsto no art. 65:
Infração – grave
Penalidade – multa;
Medida Administrativa – retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.
 
                            Como se vê, os dispositivos citados indicam uma conduta a ser observada, qual seja, o uso do cinto de segurança veicular, tanto pelo próprio condutor como também pelos demais ocupantes do veículo, cuja violação caracteriza infração à legislação de trânsito, incidindo a correspondente sanção legalmente prevista, bem como a medida administrativa, consistente na “retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator”.
                            É clara a intenção do legislador em proteger a integridade física dos usuários do veículo, também priorizando a correção da conduta, tanto que não se contentou apenas com a cominação da multa. Foi além, estabelecendo ainda a retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator, medida que, na hipótese, sobreleva-se à mera reprimenda de caráter pecuniário, evidenciando a subsidiariedade da multa em relação à retenção do veículo. Aliás, esta linha de raciocínio flui do expresso teor do art. 269, do CTB, a ver:
 
Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera da competência estabelecida neste código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:
I – retenção do veículo;
II - remoção do veículo;
III - recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação;
IV - recolhimento da Permissão para Dirigir;
V - recolhimento do Certificado de Registro;
VI - recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual;
VII - (VETADO)
VIII - transbordo do excesso de carga;
IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;
X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos.
XI - realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular. (Incluído pela Lei nº 9.602, de 1998)
§ 1º A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa. (Grifamos);
[...].
 
3   REQUISITOS DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
                            O Código de Trânsito Brasileiro, no seu art. 280, trata dos requisitos e procedimentos a serem observados pelo agente de trânsito quando da lavratura do auto de infração:
 
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I - tipificação da infração;
II - local, data e hora do cometimento da infração;
III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV - o prontuário do condutor, sempre que possível (grifo nosso);
V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração (grifo nosso).
§ 1º (VETADO)
§ 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN (grifo nosso).
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte (grifo nosso).
                           
                            Vê-se que a norma prevê expressamente a possibilidade de lavratura do auto de infração sem a abordagem direta do infrator pelo agente de trânsito, em duas situações: no caso de evasão do condutor ou por recusa deste na aceitação da infração. Tais situações retratam hipóteses nas quais o agente de trânsito fica impossibilitado de poder abordar diretamente o condutor infrator, contudo, terá que relatar o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III.
                            Para não perdemos o norte da discussão, convém relembrar que a presente análise se prende à verificação da obrigatoriedade de o agente de trânsito abordar o condutor, observando no interior do veículo, para então poder lavrar o auto de infração de trânsito motivado pela não utilização do cinto de segurança. E neste particular, o CTB parece ser muito claro no seu art. 280.
                            O teor do referido dispositivo legal já basta para consolidar o entendimento de que a regra, na lavratura do auto de infração de trânsito, aqui se incluindo o auto de infração motivado pela não utilização do cinto de segurança, é a observância de todos os requisitos relacionados nos seus incisos, destacando-se a reunião de elementos necessários à comprovação da infração. Somente em situações excepcionais poderá o agente de trânsito prescindir da abordagem direta do condutor: quando o condutor se evadir do local ou quando se recusar a aceitar a infração.
 
4 A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO E OS PRINCÍPIOS DE DEFESA DAQUELE QUE É INDICADO COMO INFRATOR
                            Efetivamente, a legislação do trânsito segue a mesma trilha da legislação penal ao exigir a necessária comprovação da infração (CTB, art. 280, § 3º). Istoevidencia certa ponderação do legislador no que toca à presunção de veracidade do conteúdo de um mero registro em formulário padrão assinalado pelo agente de trânsito. Fica, pois, muito claro, que o espírito da norma em destaque é no sentido de mitigar a presunção de veracidade fluente dos atos administrativos em geral, na espécie, referente aos atos praticados na seara da legislação de trânsito, sobretudo no que toca aos seus aspectos punitivos.
                            Atente-se para o fato de que a fé-pública atribuída ao agente pública nunca foi absoluta, bem como também a presunção de veracidade, de legalidade e de legitimidade atribuída ao ato administrativo. Ao contrário, tais premissas servem apenas como parâmetros iniciais na solução das controvérsias administrativas, não se podendo, jamais, olvidar dos princípios de defesa do acusado, ancorados no princípio do devido processo legal.
                            Nesse diapasão, em se tratando de aferição do uso do cinto de segurança, não nos parece razoável generalizar a regra para admitir-se que o agente de trânsito possa lavrar o auto de infração quando, sequer, certificou-se devidamente de que realmente houve o descumprimento da norma pelo suposto infrator, caracterizando-se a conduta infratora.
                            Não se duvide da possibilidade de o agente de trânsito vir a observar a conduta infratora em discussão, estando o veículo em movimento. É possível que até venha a ter plena convicção das suas afirmações no auto de infração, mas tudo vai depender de diversos fatores, dentre os quais, a velocidade com que o veículo trafega, a quantidade de ocupantes, a distância entre o agente de trânsito e o veículo observado, as condições de visibilidade, o modelo do cinto de segurança, dentre outros fatores. E mesmo assim, o agente observador jamais terá plena convicção do seu ato, em relação a todos os ocupantes do veículo, sobretudo aqueles que se encontrarem no lado oposto, fora do alcance direto das suas vistas, o que se agrava mais ainda se o veículo estiver com a sua lotação máxima.
                            Nesse contexto devem ser também considerados os requisitos de instalação dos cintos de segurança, levando em conta o ano de fabricação do veículo e o tipo de cinto, se de três pontos, com ou sem retrator, subabdominal e suspensório, bem assim a diversidade de posições de assentos.
                            Neste particular é de relevo destacar que até o ano de 1998 os cintos de segurança dos passageiros do banco de trás não eram do tipo longitudinal (três pontos), mas apenas de duas pontas (subabdominal), prendendo o passageiro na cintura e, neste caso, como poderia o agente de trânsito ter certeza da infração sem efetivamente abordar o veículo, sem olhar no seu interior? E se o veículo é dotado de película escurecedora, como poderia o agente de trânsito afirmar perante a autoridade que aplicará a sanção quanto à efetiva conduta infratora?
                            A questão não é tão simples e não se resolve pela mera literalidade de dispositivos isolados do CTB. É preciso que se proceda a uma interpretação sistemática das normas atinentes à questão, considerando, sobretudo, o seu caráter punitivo, qualidade esta que já condiciona todo o procedimento porventura deflagrado, aos inafastáveis prinpícios constitucionais garantidores da defesa daquele que indicado com infrator.
                            O fato é que em determinadas situações, por mais que pareça ao agente de trânsito estar o condutor ou os passageiros a praticarem a infração pelo não uso do cinto de segurança, a lavratura do auto de infração vai sempre estar revestida de uma grande dose de dúvida e de incerteza, características estas jamais admitidas no ambiento da Administração Pública, especialmente em se tratando de cominação de sanções penais ou administrativas.
 
5 A SANÇÃO POR PRESUNÇÃO DA INFRAÇÃO E DO INFRATOR E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
                            Não é demais relembrar que o nosso ordenamento jurídico não admite a cominação de sanção alguma por mera presunção da infração. E mesmo diante da certeza da prática do ato infrator, não poderá haver distinção entre os infratores. Pois bem, se o agente de trânsito autuar os infratores levando em consideração a variedade dos requisitos de instalação dos cintos de segurança, estará criando uma situação diversa para cada veículo, e conseqüentemente para cada condutor, ferindo assim o princípio da igualdade, sedimentado na Constituição Federal de 1988.
                            A autuação pelo não uso do cinto de segurança sem a devida abordagem do veículo, criaria um segundo tipo de diferenciação de procedimento, porquanto, mesmo em sendo viável a verificação da infração do condutor, não se poderia dizer exatamente o mesmo em relação ao passageiro do banco dianteiro, e muito menos em relação ao passageiro, ou passageiros, do banco traseiro.
                            Situação distinta se verifica no caso de autuação por excesso de velocidade (CTB, art. 218), ou no caso de uso do veículo para arremessar, sobre os pedestres ou veículos, água ou detritos (CTB, art. 171), dentre outras. Nessas hipóteses não se fala em mera presunção da infração, eis que a convicção do agente de trânsito quanto ao fato é manifesta, pois se tratam de condutas perceptíveis, de evidente materialidade, podendo ser observadas perfeitamente sem a necessária abordagem do condutor ou do veículo.
                            Tudo isso levou o legislador a ressaltar a importância da retenção do veículo, como medida administrativa, quando o condutor ou passageiro deixar de usar o cinto de segurança (CTB, art. 167), e do mesmo modo enfatizou a “prioridade a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa” (CTB, art. 269, § 1º). Por tudo, faz-se indispensável a parada do veículo, em sendo verificado indício da infração em comento, para que então se dê a possível aplicação da multa e a imprescindível retenção do veículo, até que o agente de trânsito se certifique da colocação do cinto de segurança.
                            Não teria sentido algum, o objetivo prioritário de proteção à vida e à incolumidade física da pessoa, bem assim a busca incessante da educação no trânsito, se tudo se resumisse à simples aplicação de multa, com o veículo em velocidade e a continuidade no descumprimento da norma.
                            Admitir-se a infração por mera presunção de veracidade, legalidade e legitimidade do ato administrativo (auto de infração), simplesmente em face da fé pública atribuída ao agente de trânsito, parece um tanto temerário. Estar-se-ia fatalmente rumando aos corredores da arbitrariedade, em detrimento da presunção de inocência, princípio este encravado no seio da Constituição Federal, art. 5º inciso LVII.
           Apesar do já citado Parecer nº 044/2000, da Coordenação Geral de Instrumental Jurídico e da Fiscalização do DENATRAN, que defende a lavratura do auto de infração sem a necessária abordagem do infrator ou do veículo, outros documentos mais recentes vem dispondo em sentido contrário, a exemplo do Parecer nº 1212, de 27 de abril de 2007, elaborado pela Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, nos autos do processo nº 80001.007407/2007-71, cujo teor é traduzido pela seguinte ementa:
 
Consulta formulada pelo departamento de trânsito de Itabira/MG, junto ao DENATRAN, indagando quanto à obrigatoriedade do agente de trânsito fazer a abordagem direta do condutor do veículo quando da lavratura do auto de infração pelo não uso do cinto de segurança (PARECER/CONJUR/MCIDADES/Nº 1212/2007 - Processo nº 80001.007407/2007-71).
           O referido Parecer foi objeto de discussão na Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, realizada no dia 22 de junho de 2007, com publicação no DOU nº 147, de 1 de agosto de 2007, página 41, assim se manifestando aquele Conselho:
 
[...];
3) Processo: 80001.007407/2007-71; Interessado: Departamento de Transportes e Trânsito de Itabira /MG; Assunto: Consulta sobre o artigo 65 do CTB quanto à obrigatoriedade do Agente de trânsito fazer abordagem do condutor quando da lavratura do auto de infração pelo não uso do cinto de segurança. Após a leitura das Notas Técnicas nº113/CGIJF/DENATRAN e nº 04/ATEC/DENATRAN e do Parecer nº 1212/CONJUR/CIDADES o Conselho decidiu que o assunto já está definido pelo Código de Trânsito Brasileiro em seus artigos 65, 167 e 280 e Resolução nº 14/98 do CONTRAN.
 
                            Como se nota, desperdiçou o nobre Conselho Nacional de Trânsito uma boa oportunidade de resolver a questão. A Resolução nº 14/1998 e o art. 65 do CTB, citados na referida manifestação do CONTRAN, cuidam tão somente de firmar a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, nada estabelecendo quanto aos procedimentos a serem adotados pelo agente de trânsito quando do auto de infração. Já os arts. 167 e 280 do CTB, embora no nosso entender levem à conclusão da obrigatória abordagem do condutor, conforme já exposto alhures, não têm uma literalidade explícita neste sentido, de modo que as muitas autoridades de trânsito dos diversos DETRANs do Brasil vêm lhes dando uma interpretação ampla, para permitir que o agente de trânsito atue o suposto infrator sem a necessária abordagem. Enfim, o que deveria ter dito o CONTRAN, naquela ocasião, era quanto a questão da abordagem do condutor e não quanto à obrigatoriedade de uso do cinto de segurança.
                            É preciso, pois, a indicação da infração de forma individualizada, quem efetivamente se absteve de usar o cinto de segurança, se o condutor ou o passageiro, bem como a exposição de elementos complementares à mera indicação do dispositivo do CTB aposto na Notificação, sob pena de violação da ampla defesa constitucional. Restaria prejudicado o contraditório, porquanto o autuado nada saberia acerca da autuação, quem exatamente e em que circunstância foi cometida a infração. Como alguém poderá se defender de algo que não viu, que não sabe, que não lhe foi indicado por uma mínima descrição por parte do agente de trânsito?
 
6   CONCLUSÃO
                            A questão não se resolve pela simples presunção de legalidade e legitimidade do ato administrativo, ou pela fé pública atribuída ao agente de trânsito. Outros princípios e regras devem ser levados em conta na equação dos valores em jogo, devendo se ter em mente um Estado Brasileiro, acima de tudo, previdente, zeloso e justo. E não prioritariamente sancionador e arrecadador.
                            Destarte, diante das dúvidas e controvérsias, afigura-se irrazoável admitir-se que o agente de trânsito possa autuar um possível infrator, pelo não uso do cinto de segurança, sem a devida abordagem do veículo, sem certificar-se precisamente quanto à efetiva infração pelo condutor ou pelo(s) passageiro(s), principalmente em se constatando que o CTB eleva a um plano superior a correção da conduta, com a obrigatória colocação do cinto de segurança, deixando bem evidenciado que a multa assume um caráter meramente subsidiário.
                            O contrário consistiria em absoluto desprestígio ao contraditório e à ampla defesa do autuado, a quem estaria sendo imputada uma falta sem que este tivesse, em determinadas hipóteses, um mínimo conhecimento.
                            Também restaria ignorado o princípio da inocência, tão fundamental na construção do sentimento democrático e dos anseios da liberdade.
                            Noutro giro, a prioridade do CTB é voltada para a educação no trânsito, que figura como seu princípio fundamental. A simples cominação de pena pecuniária e pontuação na Carteira de Habilitação do infrator não serviriam aos propósitos do Código, eis que a conduta infratora prosseguiria. Não se defende aqui a “farra dos sem cintos”, e sim um procedimento adequado ao ordenamento jurídico, cabendo ao Estado o aprimoramento dos seus mecanismos de fiscalização de modo a fazer valer os interesses gerais, mas que não sejam agredidos os interesses dos indivíduos.
                            Em suma, o disposto no art. 167 do CTB, que prevê a retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator, é bastante para a inafastável conclusão de que é indispensável a abordagem do condutor no caso de não utilização do cinto de segurança.
                            Por tudo isso, ao invés de se revestir o agente de trânsito de um poder absoluto, autorizando-o a autuar pseudos infratores, sem a necessária convicção acerca da efetiva prática da infração e sem a devida certificação quanto à pessoa do infrator, a matéria deveria ser submetida a um estudo mais apurado por quem de direito, com a expedição de normas complementares, dirimindo as controvérsias apontadas, não podendo chegar a outra conclusão, senão a impossibilidade de autuação por infração de trânsito, em se tratando de infração pelo não uso do cinto de segurança, sem que o agente de trânsito proceda à necessária abordagem do veículo para certificar-se quando aos elementos do seu ato.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores