Ainda não completaram nem dois meses desde que voltei da França, porém uma semana depois de chegar ja comecei a trabalhar loucamente.
Acho que era meu maior sonho, acabar a faculdade e poder voltar pra minha terrinha afim de poder mostrar tudo que aprendi esses últimos anos no pais da gastronomia. Se me perguntarem se eu achei que seria fácil, respondo que já sabia que teria que lidar com muitas mudanças. Mas admito que não imaginei que seriam tantas.
Certo, tive que aprender a me adaptar com os produtos brasileiros e enfim estou conseguindo. Uma etapa realizada. Agora o meu maior e mais importante desafio: me adaptar ao paladar brasileiro. E ai ando quebrando a cabeça (e, de certa forma, o coração).
Antes de morar fora admito que não tinha um paladar tão diferenciado. Adorava brigadeiro, pudim de leite. Poderia comer uma lata de leite condensado inteira na colher. Quanto mais doce melhor!
Há dois anos trouxe duas amigas francesas para passarem férias comigo no Brasil. Primeiramente elas ficaram chocadas com os nossos buffets. Praticamente a maioria dos restaurantes baratos são esses buffets, com comida a granel, bastantão, porque é isso que brasileiro gosta. Pizza? Hummm.. Nada melhor que um rodizio com cem tipos de pizza diferentes, certo? Buffet de sobremesas? Hummm... Aquele buffet gigante com trinta tipos de sobremesas onde pegamos um pratinho e empilhamos uma em cima da outra.
Bom, para as minhas amigas francesas aquilo era o cumulo. Elas me perguntavam como tu poderia dar valor a um único produto degustado com uma mistura tão grande de sabores ao mesmo tempo. Como poderíamos gostar tanto dessas sobremesas que tem todas o mesmo sabor de leite condensado e ovos? E, pior, como achávamos saboroso ter num mini pratinho sagu misturado com um pedaço de quindão, uma colherada de ambrosia, misturado com uma fatia de torta de morango com chantilly e por ai vai.
Nessa época tinha cursado apenas oito meses de gastronomia e não me dava conta de tudo isso ainda. Certo, ainda estava ligada à nossa cultura gastronômica. A qual respeito e admito que também sei apreciar, com moderação.
Voltando pra França, durante três anos estudando, entendi o que elas queriam me dizer. E não é pretensão minha, mas acho que adquiri um paladar mais refinado e uma sensibilidade para apreciar um único alimento de cada vez.
Aprendi a misturar ervas com frutas. Especiarias para fazer infusões que trariam um "arrière goût" que completaria um prato com sutileza. Aprendi que antes de dar a primeira garfada era importante sentir os aromas que exalam do prato em minha frente. Aprendi a degustar e não a comer.
E a partir desse momento é que aprendi a amar a culinária, quando me dei conta que era preciso respeitar cada alimento.
Enfim, isso é um desabafo. De alguém que tinha vontade de realizar tudo isso no pais onde reina o leite condensado. Sei que não posso generalizar, pois o exótico faz brilhar os olhos de muitos, mas ainda são uma minoria. Esses dias fiz um jantar onde apresentei minhas mignardises e disse que meus doces não eram tão doces assim, pois gostava muito de trabalhar com frutas. Um cara levantou e começou a agradecer dizendo muito obrigado por alguém entender que tem pessoas que não gostam do doce tão doce e que enfim não colocava uma ponta de leite condensado numa sobremesa. Eu ri. Mas fora isso, as vezes a sensação é de sair correndo e pegar um avião e ir embora.
Ok, não farei isso, pois tenho uma ponta de esperança em mudar os conceitos das pessoas em relação à comida. As vezes me da vontade de sentar com quem ama isso e ensinar o que aprendi, passando o prazer de apreciar uma coisa de cada vez.
E como brasileira de coração, a esperança não morre jamais.
Por isso convido vocês a se abrirem para essa verrine de caramelo com maçãs carameladas no alecrim, que combina perfeitamente com essa fruta. Bem como poderia ter sido feita com pêssegos que cai super bem com tomilho. Da uma quebrada no doce do caramelo, criando um casamento de sabores a serem apreciados de olhos fechados.
Mousse de Caramelo com Chocolate
(Uma receita do livro de Pierre Hermé)
90g de açúcar
30g de manteiga
60g de creme de leite fresco
85g de chocolate meio amargo picado
230g de creme de leite fresco batido em chantilly
Cozinhe o açúcar a seco. Quando virar caramelo, adicione a manteiga e o creme de leite previamente fervido.
Despeje sobre o chocolate picado em três vezes, misturando bem com um fouet.
Espere a mistura atingir 45°C e adicione o creme fresco batido pouco a pouco.
Despeje no fundo dos copinhos.
Maçãs Carameladas ao Alecrim
2 maçãs
Um ramo de alecrim
Manteiga e açúcar a gosto
Coloque a manteiga numa frigideira. Espere espumar. Acrescente as maçãs e o açúcar por cima com o ramos de alecrim. Deixe cozinhar por alguns segundo mantendo as maças inteiras, crocantes por fora e molinhas por dentro.
Deixe esfriar e reparta por cima da mousse de caramelo.
Coulis de Caramelo
(do livro 101 secrets des cuisiniers)
80g de açúcar
40g de manteiga
100g de creme de leite fresco
Repita o mesmo procedimento inicial da mousse. Faça um caramelo a seco. Adicione a manteiga em cubinhos e enfim o creme de leite fervido.
Finaliza os copinhos com essa preparação.
Decorei com semi-esferas de chocolate meio amargo que temperei. Uma pontinha de chantilly e pedacinhos de nozes completam essa regalia.
"Virei outro. Tratei de ler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei.
Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados.
Quando meus gostos musicais entraram em crise me descobri atrasado e velho, e abri meu coração às delícias do acaso."
Gabriel Garcia Marquez (Always!)
45 g de liqueur de cassis
165 g de purée de cassis
85 g d'eau minérale
15 g de jus de citron
30 g de sucre semoule
315 g de couverture pure origine Chuao (Amedei)
280 g de beurre de La Viette