sexta-feira, 17 de agosto de 2012

PROPOSTA CURRICULAR (Introdução


Desde o século XVI, com a colonização portuguesa no Brasil, a educação iniciou sua existência ligada a dois eixos: a cultura portuguesa e os princípios da Companhia de Jesus. Assim, traços fundamentais que o Brasil herdou diretamente de Portugal foram de um lado uma fuga das contribuições do Renascimento (devido ao caráter católico da nação portuguesa) e, por outro, uma grande valorização da assim chamada cultura erudita (que teve como resultado a ênfase na formação de bacharéis e homens de letras).
Os períodos em que o Brasil foi Colônia de Portugal (1500-1808), sede do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves (1808-1822) e Império (1822-1889) não foram marcados por nenhuma significativa mudança na educação, ressalvando-se o período de 13 anos que sucedeu a expulsão dos Jesuítas de território português por ordem do Marquês de Pombal (1759) em que, no lugar de uma reforma do ensino ligada aos princípios iluministas, em oposição aos princípios da igreja católica (o que acontecera nos outros estados nacionais europeus que constituiam governos com influência do Iluminismo), não houve educação nenhuma.
Com a imigração européia não portuguesa, que teve o mais marcante afluxo no século XIX, outros modelos educacionais foram introduzidos no país, à margem do Estado. Como a oferta do ensino, até então, era restrita a partes do meio urbano, e como esses novos imigrantes traziam já incorporada a necessidade de escola como tradição de seus países, mesmo nas localidades rurais donde muitos vieram, criaram esses suas próprias escolas, trazendo consigo professores (ou improvisando-os) que ensinassem a língua e a cultura de origem.
A partir do período republicano (1889-...) passaram a se suceder reformas na educação brasileira que, apesar de procurarem modificar em profundidade os princípios sobre os quais se assentava essa educação, não lograram total êxito até nossos dias. No início da República (1891), a primeira grande reforma da educação no que diz respeito a princípios procurou substituir o caráter apenas erudito da educação brasileira por um caráter científico. Com forte influência positivista, essa reforma procurou introduzir o ensino das ciências, com primazia sobre a literatura, desde os primeiros anos da escolarização, bem como criar institutos científicos para o fomento da pesquisa científica no país. Dessas duas iniciativas, prevaleceu a ciência apenas nos institutos científicos, sem vingar de pronto nas escolas, cuja tradição jesuítica não foi tão logo quebrada.
No período do Estado Novo (período ditatorial compreendido entre 1937 e 1945), consideramos importante ressaltar alguns aspectos. A nacionalização do ensino, que consistiu na destruição das iniciativas educacionais comunitárias dos imigrantes, e a instituição da obrigatoriedade do ensino na língua portuguesa; a ampliação da oferta educacional também nas zonas rurais, para fazer frente às escolas dos imigrantes e ao crescente êxodo rural, que era superior ao afluxo populacional que as cidades comportavam com possibilidade de empregar; a introdução de uma dualidade no ensino, com a criação de escolas profissionalizantes para a classe trabalhadora, ao lado das escolas preparatórias ao ensino superior; a introdução dos princípios da assim chamada escola nova, nesse período, contribuiram para a expansão da oferta educacional, para a mudança de um ensino baseado na memorização de conhecimentos em um ensino baseado na interrelação pessoal, na valorização do aluno enquanto indivíduo e no enfraquecimento do conteúdo curricular.
Um outro período ditatorial, comandado por governos militares (1964-1985), que fizeram parte de um movimento de militarização dos governos latino-americanos, para garantir no continente os interesses políticos e econômicos das economias capitalistas desenvolvidas do Norte, marcou a educação com a introdução do tecnicismo, entendido aqui como um movimento que coloca as técnicas educacionais acima dos conteúdos curriculares, a compulsória profissionalização do ensino médio e um patrulhamento ideológico feroz sobre a educação (assim como sobre a sociedade toda), que só permitia o ensino dentro dos princípios aprovados pelo governo e pelos grupos econômicos aos quais o mesmo servia.
Com a redemocratização política do país a partir de 1985, ganha corpo um movimento de discussão educacional que já existia nos últimos anos da ditadura militar, de uma forma mais tímida, porque reprimida. Sem nenhuma modificação na legislação do que diz respeito às questões curriculares, a introdução de textos
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ligados a um pensamento mais social no meio educacional introduziu mudanças nesse meio. Se não houve uma imediata transformação da prática educacional, houve pelo menos o despertar de uma discussão aberta sobre uma linha de pensamento que antes, por ser reprimida, só podia ser feita na clandestinidade.
O pensamento histórico-cultural na educação, nessa época, no Brasil, entrou pelos textos de Antonio Gramsci (1891-1937) e outros autores pertencentes à mesma vertente teórica, dos quais alguns pensadores brasileiros do meio educacional se tornaram divulgadores e intérpretes. É importante registrar, portanto, que o pensar a educação numa ótica histórico-cultural, no Brasil, nas últimas décadas, está fortemente marcado pela compreensão da ligação da educação com a política e da conseqüente importância da educação das camadas populares como um dos caminhos para a criação de uma nova hegemonia, ligada aos seus interesses.
Esse pensamento, num espaço muito curto de tempo, passou da clandestinidade a uma legitimidade institucional. As eleições para governos estaduais realizadas em 1986 deram, nos estados-membros, uma vitória massiva a grupos políticos com perfil de centro-esquerda. Isso possibilitou o acesso a cargos governamentais, em grande parte dos estados brasileiros, de professores que eram partícipes das discussões educacionais a partir do pensamento histórico-cultural. O movimento dos educadores por uma nova perspectiva curricular, portanto, encontrou eco nas instâncias oficiais dos governos estaduais de então, fazendo com que na maior parte do país se trabalhassem novas propostas curriculares, com apoio oficial, no período entre 1987 e 1991.
Foi nesse âmbito que se elaborou a primeira edição da Proposta Curricular de Santa Catarina, que foi resultado da discussão e de estudos sistemáticos realizados sob a coordenação da Secretaria de Estado da Educação, entre 1988 e 1991, momento em que se pretendeu dar ao currículo escolar catarinense uma certa unidade a partir da contribuição das concepções educacionais derivadas desse marco teórico.
Nesta segunda edição, procura-se aprofundar e rever a proposta curricular do Estado, a partir da versão sistematizada em início de 1991, incorporando as discussões realizadas no âmbito da teoria que lhe dá sustentação desde aquela época, e fazendo um esforço para superar posturas lineares que, eventualmente, pontuavam a primeira edição. Cumpre aqui ressaltar a realização do Congresso Internacional de Educação, em dezembro de 1996, através do qual foram trazidos ao estado discussões muito atuais sobre a pedagogia histórico-cultural que estão sendo realizadas na Alemanha, nos Estados Unidos, na Espanha, na Argentina e no Brasil.
Esta edição é resultado do trabalho do Grupo Multidisciplinar, da contribuição de professores de todas as regiões do Estado e do auxílio de consultores buscados em Universidades de diversas partes do país, durante mais de dois anos.
O Grupo Multidisciplinar, que trabalhou mais diretamente na sistematização dos textos que compõem esta edição, teve sua formação iniciada em 1995, a partir de um edital divulgado em todo o Estado, para inscrição de candidatos à composição do grupo. A seleção se deu a partir de critérios de formação acadêmica (pós-graduação em nível de Doutorado, Mestrado e Especialização), conhecimento da primeira versão da Proposta Curricular e apresentação de Projeto de Trabalho vinculado teórica e praticamente a essa proposta. Selecionado o grupo, foi formalmente constituído por Portaria do Senhor Secretário de Estado da Educação e do Desporto1, e foi liberado de metade de sua carga horária, para dedicar-se ao Projeto de Revisão e Aprofundamento da Proposta Curricular, cuja culminância se dá com a publicação desta edição.
A participação dos professores de todas as regiões do Estado se deu por um amplo processo de conhecimento, análise e crítica de uma versão preliminar desta edição, impressa e distribuída para todas as escolas estaduais de Santa Catarina, em dois âmbitos privilegiados: em todo o processo de capacitação de professores no decorrer de 1997, os textos foram exaustivamente analisados e criticados; além disso, as escolas foram convidadas a fazerem estudos por área do conhecimento, desses mesmos textos. Esse processo resultou em relatórios de todos os cursos de capacitação e de todas as regiões do estado, que contemplaram as contribuições dos educadores catarinenses, nas diferentes áreas do conhecimento, incorporadas posteriormente pelo Grupo Multidisciplinar.
1 As Portarias de constituição do Grupo Multidisciplinar foram: P/2122/SED, de 28.03.96 (DOE 15.405); P/2109/SED, de 28.03.96 (DOE 15.405); P/2595/SED, de 09.04.97 (DOE 15.652); P/2596/SED, de 09.04.97 (DOE 15.652); P/5242/SED, de 10.06.97 (DOE 15.691) e P/5264/SED, de 10.06.97 (DOE 15.691)
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Em termos de amplitude, a presente publicação reúne, em volumes separados, textos referentes às disciplinas curriculares, aos conteúdos de abrangência multidisciplinar e ao curso de Magistério. Dessa forma, esta edição torna possível levar aos educadores, em cada escola de Santa Catarina, uma contribuição para a discussão daqueles conteúdos que fazem parte da responsabilidade de todos os professores, mas que não fazem parte da especificidade das disciplinas com as quais trabalham.
A exemplo da primeira edição, a presente não se constitui num ementário de conteúdos por disciplina. Embora muitas das disciplinas relacionem conteúdos, não é esse o ponto principal desta proposta. O importante é o enfoque que é dado para as disciplinas, visto que é através deste que os professores poderão efetivamente melhorar a qualidade da relação pedagógica estabelecida com seus alunos. Aos professores, portanto, interessa o todo desta proposta, uma vez que, recorrendo apenas aos conteúdos explicitados, sem o recurso aos textos que tratam da abordagem teórica acerca desses conteúdos, o professor nada encontrará de novo que lhe auxilie a melhorar a qualidade do seu trabalho.
Um esforço intelectual, porém, de compreender os fundamentos teórico-práticos que esta proposta traz em termos de compreensão de mundo, de homem e de aprendizagem, sem dúvida, é compensado com resultados melhores na ação pedagógica de todos e de cada um.

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