- Questão 1Enem 2009Confidência do ItabiranoAlguns anos vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.Noventa por cento de ferro nas calçadas.Oitenta por cento de ferro nas almas.E esse alheamento do que na vida é porosidade e[comunicação.A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e[sem horizontes.E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,é doce herança itabirana.De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;este orgulho, esta cabeça baixa...Tive ouro, tive gado, tive fazendas.Hoje sou funcionário público.Itabira é apenas uma fotografia na parede.Mas como dói!ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas modernistas, conclui-se que o poema acimaa) representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade.b) apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados históricos.c) evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por intermédio de imagens que representam a forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo.d) critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as prendas resgatadas de Itabira.e) apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e do amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.
- Questão 2Enem 2012Aquele bêbado— Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool.O mais ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio.— Curou-se 100% do vício — comentavam os amigos.Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos.ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre umaa) metaforização do sentido literal do verbo “beber”.b) aproximação exagerada da estética abstracionista.c) apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem.d) exploração hiperbólica da expressão “inúmeras coroas”.e) citação aleatória de nomes de diferentes artistas.
- Questão 3Sobre Carlos Drummond de Andrade, é correto afirmar:a) Escritor cuja obra pertence à segunda geração modernista, quatro fases podem ser identificadas em sua obra: fase gauche, fase social, a fase do “não” e a fase da memória.b) Sua obra está inserida na segunda geração modernista e sua principal característica é a poesia surrealista inspirada no cristianismo e no experimentalismo linguístico.c) Sua poesia denuncia a condição de exploração e marginalização dos negros em nosso país e também apresenta grande enfoque nos temas religiosos.d) Um dos grandes nomes da poesia da segunda geração modernista, sua obra é marcada pela preocupação religiosa e pela angústia existencial diante da condição humana.
- Questão 4Leia o texto para responder à questão:NO AEROPORTOViajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores.Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos.Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Reprod. Em: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. p.1107-1108O gênero textual ao qual se enquadra o texto “No aeroporto”, de Carlos Drummond de Andrade, é:a) Conto.b) Fábula.c) Crônica.d) Ensaio.
Respostas
- Resposta Questão 1Alternativa “c”. É possível observar a tensão entre o “eu” e a sua comunidade através da análise dos versos:“Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!”.
- Resposta Questão 2Alternativa “a”. O verbo “beber” não deve ser interpretado de maneira literal, pois está empregado em seu sentido metafórico. O narrador afirma que o personagem “bebia” paisagens, músicas de Tom Jobim e versos de Mario Quintana e por isso morreu de “etilismo abstrato”, o que confere o efeito irônico à causa mortis.
- Resposta Questão 3Alternativa “a”. Fase gauche (década de 1930), fase social (1940-1945), fase do “não” (décadas de 50 e 60) e fase da memória (décadas de 70 e 80).
- Resposta Questão 4Alternativa “c”.
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