sábado, 6 de outubro de 2018

literatura para o enem

Lendo atentamente qualquer uma das provas anteriores do Enem, você vai perceber que a maior parte das questões, de todas as matérias, depende de uma boa capacidade de interpretação de texto e leitura (leia dicas aqui). Sobre as questões de literatura, é importante saber relacionar os seus movimentos com seus equivalentes em outras artes. As questões de literatura do Enem costumam envolver obras de artistas plásticos do modernismo brasileiro e das vanguardas europeias, como Pablo Picasso, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Cândido Portinari.
QUESTÃO 101 (PROVA ROSA)
À garrafa
Contigo adquiro a astúcia
de conter e de conter-me.
Teu estreito gargalo
é uma lição de angústia.
Por translúcida pões
o dentro fora e o fora dentro
para que a forma se cumpra
e o espaço ressoe.
Até que, farta da constante
prisão da forma, saltes
da mão para o chão
e te estilhaces, suicida,
numa explosão
de diamantes.
PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
A reflexão acerca do fazer poético é um dos mais marcantes atributos da produção literária contemporânea, que, no poema de José Paulo Paes, se expressa por um (a):
a) reconhecimento, pelo eu lírico, de suas limitações no processo criativo, manifesto na expressão “Por translúcidas pões”.
b) subserviência aos princípios do rigor formal e dos cuidados com a precisão metafórica, como se em “prisão da forma”.
c) visão progressivamente pessimista, em face da impossibilidade da criação poética, conforme expressa o verso “e te estilhaces, suicida”.
d) processo de contenção, amadurecimento e transformação da palavra, representado pelos versos “numa explosão / de diamantes”.
e) necessidade premente de libertação da prisão representada pela poesia, simbolicamente comparada à “garrafa” a ser “estilhaçada”.
Gabarito: alternativa D.
COMENTÁRIO:
A interpretação de um texto poético exige uma maior atenção por parte do candidato. As alternativas mencionam características diversas, presentes em diferentes estilos literários, como, por exemplo, a subserviência aos princípios do rigor formal, incompatível com a produção literária contemporânea de José Paulo Paes. Além disso, o processo criativo não se encontra limitado, tampouco pessimista, como se percebe na imagem dos “diamantes”, criada ao final do texto, aludindo ao rico poder de significação das palavras. É importante visualizar, também, a associação estabelecida entre a garrafa e a poesia e a maneira como a tematização do fazer poético desenrola-se ao decorrer do texto. Após uma leitura atenta, o candidato deveria perceber que o poema sequencia as fases do fazer poético, dividindo-as em: contenção (primeira estrofe), amadurecimento (segunda estrofe) e transformação da palavra (terceira e quarta estrofes).
QUESTÃO 107 (PROVA ROSA)
Máscara senufo, Mati. Madeira e fibra vegetal. Acervo do MAE/USP.
As formas plásticas nas produções africanas conduziram artistas modernos do início do século XX, como Pablo Picasso, a algumas proposições artísticas denominadas vanguardas. A máscara remete à:
a) preservação da proporção.
b) idealização do movimento.
c) estruturação assimétrica.
d) sintetização das formas.
e) valorização estética.
Gabarito: alternativa D.
COMENTÁRIO:
Para resolver a questão, o aluno deveria reconhecer a referência aos movimentos de vanguarda europeia que, por sua vez, buscaram um rompimento com a arte tradicional. Pablo Picasso, um dos ícones do Cubismo, estudava arte africana e demonstrou tal influência em muitas de suas produções, como percebemos na máscara apresentada. Traços como a deformação e o alongamento do rosto humano, aliados aos olhos desproporcionais, fora dos padrões eurocêntricos, anulam as alternativas que mencionam “preservação da proporção”, ”idealização do movimento” e “valorização estética”. A dificuldade maior era observar que, apesar de romper com os estilos equilibrados e padronizados, nesse caso, havia simetria na estruturação da obra e a máscara remetia com mais clareza à “sintetização das formas”, uma vez que uma das características mais marcantes do movimento cubista era a sobreposição das imagens, com traços mais simples, sintéticos.
QUESTÃO 118 (PROVA ROSA)
Casa dos Contos
& em cada conto te cont
o & em cada enquanto me enca
nto & em cada arco te a
barco & em cada porta m
e perco & em cada lanço t
e alcanço & em cada escad
a me escapo & em cada pe
dra te prendo & em cada g
rade me escravo & em ca
da sótão te sonho & em cada
esconso me affonso & em
cada claúdio te canto & e
m cada fosso me enforco &
ÁVILA, A. Discurso da difamação do poeta. São Paulo: Summus, 1978.
O contexto histórico e literário do período barroco-árcade fundamenta o poema Casa dos Contos, de 1975. A restauração de elementos daquele contexto por uma poética contemporânea revela que
a) a disposição visual do poema reflete sua dimensão plástica, que prevalece sobre a observação da realidade social.
b) a reflexão do eu lírico privilegia a memória e resgata, em fragmentos, fatos e personalidades da Inconfidência Mineira.
c) a palavra “esconso” (escondido) demonstra o desencanto do poeta com a utopia e sua opção por uma linguagem erudita.
d) o eu lírico pretende revitalizar os contrastes barrocos, gerando uma continuidade de procedimentos estéticos e literários.
e) o eu lírico recria, em seu momento histórico, numa linguagem de ruptura, o ambiente de opressão vivido pelos inconfidentes.
Gabarito: alternativa E.
COMENTÁRIO:
O aluno deveria atentar-se ao aspecto cronológico: o texto é de 1975 e retoma uma temática do século XVIII. A “Casa dos Contos”, originalmente, foi a chamada “Casa de Contratos”, responsável pelo recolhimento de impostos no período colonial. Por volta de 1789, tornou-se a Sede da Administração e Contabilidade Pública da Capitania de Minas Gerais e serviu de prisão para os (nobres) inconfidentes. Dentre eles, estavam os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa (mencionado no poema). Hoje, funciona como um museu em Ouro Preto. Além disso, o poema descreve o local a partir de uma estética concretista, revelando traços poéticos contemporâneos, utilizando uma linguagem de ruptura. O candidato deveria compreender esse contexto político-literário para, assim, identificar a resposta correta.
QUESTÃO 133 (PROVA ROSA)
Cântico VI
Tu tens um medo de
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
MEIRELES. C. Antologia poética, Rio de Janeiro: Record. 1963 (fragmento).
A poesia de Cecília Meireles revela concepções sobre o homem em seu aspecto existencial. Em Cântico VI, o eu lírico exorta seu interlocutor a perceber, como inerente à condição humana,
a) a sublimação espiritual graças ao poder de se emocionar.
b) o desalento irremediável em face do cotidiano repetitivo.
c) o questionamento cético sobre o rumo das atitudes humanas.
d) a vontade inconsciente de perpetuar-se em estado adolescente.
e) um receio ancestral de confrontar a imprevisibilidade das coisas.
Gabarito: alternativa A.
COMENTÁRIO:
A escritora brasileira Cecília Meirelles aborda, no texto, uma temática existencialista, muito presente em suas obras. Considerada neossimbolista, produziu uma poesia intimista e reflexiva, como é possível observar no poema “Cântico VI”. Ao longo do texto, o eu lírico exorta, ou seja, induz seu interlocutor a transcender, sublimar o medo da morte, para, assim, alcançar a eternidade. Essa superação estaria associada à capacidade de esse interlocutor se emocionar, sentir, renovando-se. A questão exige que o candidato tenha um bom domínio lexical e conheça o estilo da autora para uma melhor compreensão textual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores